Bienal de Veneza 2025: a inteligência também se constrói

Categorias: Arquitetura

Veneza volta a acolher a arquitectura do mundo. A 19.ª Exposição Internacional de Arquitectura, que abriu ao público no passado sábado, 10 de Maio, reafirma o lugar singular da Bienal como um dos mais relevantes eventos global da disciplina. Mais do que um palco de apresentação de projectos, é um espaço de reflexão: nenhuma outra exposição reúne tantas propostas conceptuais, sob curadorias independentes, com representação institucional de dezenas de países.

Neste ano, o desafio partiu do arquitecto Carlo Ratti, que propõe o tema Intelligens — uma provocação que nos convida a pensar nas formas de inteligência natural, artificial e colectiva aplicadas na forma como projectamos, transformamos e habitamos o mundo. A linha curatorial surge num momento de viragem: as alterações climáticas e a escassez de recursos cruzam-se agora com novas tensões geopolíticas, desigualdades estruturais e transformações tecnológicas que atravessam o planeta.

A diversidade das abordagens confirma esse cruzamento. O pavilhão da Ucrânia reflecte sobre a preservação do património vernacular em tempo de guerra, lançando uma questão fundamental: o que significa construir quando tudo à volta está em perigo? Entretanto, a instalação Bamboo MockUp, concebida pela Architecture Land Initiative e BEAU Architects, ergue-se como um anfiteatro de bambu — uma forma de resistência aos processos de urbanização, que ameaçam técnicas de construção tradicionais em Hong Kong.

Nas salas da Corderie do Arsenale, a exposição central assume-se como um laboratório de experiências materiais e narrativas especulativas. Em The Other Side of the Hill, com a participação da designer Patricia Urquiola, tijolos de bio-cimento desenham uma topografia inspirada no crescimento de bactérias. Em Canal Café, da autoria do atelier nova-iorquino Diller Scofidio + Renfro, propõe-se beber café feito com água da laguna de Veneza, recolhida e purificada, lançando uma reflexão sobre escassez e circularidade.

Mas a resposta aos desafios do Antropoceno não se esgota na tecnologia. O pavilhão do México revisita a tradição das chinampas — ilhas agrícolas flutuantes dos astecas — e propõe uma instalação viva, Chinampa del Mondo, que navegará os canais de Veneza, evocando o icónico Teatro del Mondo de Aldo Rossi, apresentado na Bienal de 1980.

A representação portuguesa alinha-se nesse mesmo olhar poético sobre o território. Paraíso, hoje., concebida por Nuno Cera e pelo colectivo 18–25 Research Studio, apresenta uma instalação interactiva que cruza vídeo, inteligência artificial e pensamento territorial. A proposta convida à contemplação e ao desconforto: como se constrói um paraíso num território marcado por desigualdades, turismo excessivo e consumo desregulado de recursos?

Com 65 países participantes, a Bienal de Arquitectura de Veneza decorre até 23 de Novembro e reforça o papel da arquitectura enquanto prática crítica, interdisciplinar e transformadora. Ao convocar várias formas de inteligência, naturais e artificiais, técnicas e sensíveis, a 19.ª edição ensaia possíveis futuros. Como descreveu Carlo Ratti, citando

Buckminster Fuller, somos chamados a ser arquitectos do futuro, não vítimas dele. Talvez não haja melhor síntese para o tempo presente.
Texto: Tomás Reis . Arquiteto
Fotos: © Ministério da Cultura | Raul Betti
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